terça-feira, 20 de maio de 2014

LYGIA BOJUNGA NUNES pequenos textos e sugestões de atividades com alunos.


LYGIA BOJUNGA NUNES


            A primeira escritora brasileira a receber o prêmio “Hans Christian Andersen”, a maior premiação para literatura infantil, correspondente ao prêmio Nobel de Literatura, foi Lygia Bojunga Nunes, em 1982. Como ninguém sabe esta autora dirigir-se ao público infantil ou pré-adolescente, com obras como Os Colegas, Angélica, ou A Bolsa Amarela. Vamos conferir esta sua habilidade lendo alguns textos:

 NUNES, Lygia Bojunga – A Bolsa Amarela – Rio de Janeiro, Editora Agir, 1986, 12ª edição, ilustrações Marie Louise Nery.

Cap. 1  “As vontades”    Paginas de 11 a 16

Eu tenho que achar um lugar pra esconder as minhas vontades. Não digo vontade magra, pequenininha, que nem tomar sorvete a toda hora, dar sumiço da aula de matemática, comprar um sapato novo que eu não aguento mais o meu. Vontade assim todo o mundo pode ver, não tô ligando a mínima. Mas as outras – as três que de repente vão crescendo e engordando toda a vida – ah, essas eu não quero mais mostrar. De jeito nenhum.

Nem sei qual das três me enrola mais. Às vezes acho que é a vontade de crescer de uma vez e deixar de ser criança. Outra hora acho que é a vontade de ter nascido garoto em vez de menina. Mas hoje tô achando que é a vontade de escrever.

Já fiz tudo pra me livrar delas. Adiantou? Hmm! É só me distrair um pouco e uma aparece logo. Ontem mesmo eu tava jantando e de repente pensei: puxa vida, falta tanto ano pra eu ser grande. Pronto: a vontade de crescer desatou a engordar, tive que sair correndo pra ninguém, ver.

Faz tempo que eu tenho vontade de ser grande e de ser homem. Mas foi só no  mês passado que a vontade de escrever deu pra crescer também. A coisa começou assim:

Um dia fiquei pensando o que é que eu ia ser mais tarde  . Resolvi que ia ser escritora. Então já fui fingindo que era. Só pra treinar. Comecei escrevendo umas cartas:

                                   Prezado André

                                   Ando querendo bater papo. Mas ninguém tá a fim.
                                   Eles dizem que não têm tempo. Mas ficam vendo
                                   televisão. Queria te contar minha vida, dá pé?
                                   Um abraço da Raquel.

No outro dia quando eu fui botar o sapato, achei lá dentro a resposta:

                                   Dá.
                                   André.

Parecia até telegrama, que a gente escreve bem curtinho pra não custar muito caro. Mas não liguei. Escrevi de novo:

                                   Querido André

                                Quando eu nasci minhas duas irmãs e meu irmão já tinham mais de
dez anos. Fico achando que é por isso que ninguém aqui em casa tem paciência comigo: Todo mundo já é grande há muito tempo, menos eu. Não sei quantas vezes eu ouvi minhas irmãs dizendo: “ A Raquel nasceu de araque. A Raquel nasceu fora de hora. A Raquel nasceu
                                quando a mamãe já não tinha mais condição de ter filho”.
                                Tô sobrando, André. Já nasci sobrando. É ou não é?

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-   E por que é que você inventou um amigo em vez de uma amiga?

-   Porque eu acho muito melhor ser homem do que mulher.

Ele me olhou bem sério. De repente riu:

-   No duro?

-   É sim. Vocês podem um montão de coisas que a gente não pode. Olha: lá na escola, quando a gente tem que escolher um chefe pras brincadeiras, ele sempre é um garoto. Que nem chefe de família: é sempre o homem também. Se eu quero jogar uma pelada, que é o tipo do jogo que eu gosto, todo o mundo faz pouco de mim e diz que é coisa pra homem; se eu quero soltar pipa, dizem logo a mesma coisa. É só a gente bobear que fica burra: todo o mundo tá sempre dizendo que vocês é que têm que meter as caras no estudo, que vocês é que vão ser chefe de família, que vocês é que vão Ter responsabilidade, que – puxa vida! – vocês é que vão Ter tudo. Até pra resolver casamento – então eu não vejo? – a gente fica esperando vocês decidirem. A gente tá sempre esperando vocês resolverem as coisas pra gente. Você quer saber de uma coisa? Eu acho fogo ter nascido menina.” 


Cap. 2. “A bolsa amarela”  páginas. 25 a 29

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Eu fico boba de ver como a tia Brunilda compra roupa. Compra e enjoa. Enjoa tudo: vestido, bolsa, sapato, blusa. Usa três, quatro vezes e pronto: enjoa. Outro dia eu perguntei:

-    Se ela enjoa tão depressa, pra que que ela compra tanto? É pra poder enjoar mais?

Ninguém me deu bola. Fiquei pensando no tio Júlio. Meu pai diz que ele dá um duro danado pra ganhar o dinheirão que ele ganha. Se eu fosse ele, eu ficava pra morrer de ver a tia Brunilda gastar o dinheiro numas coisas que ela enjoa logo. Mas ele não fica. Eu acho isso tão esquisito! Outra coisa um bocado esquisita é que se ele reclama, ela diz logo: “ Vou arranjar um emprego” . Aí ele fala: “De jeito nenhum!” E dá mais dinheiro. Pra ela comprar mais. E pra continuar enjoando. Vou ver se um dia eu entendo essa jogada.(...............) 

-   Toma Raquel, fica pra você.

Era a bolsa.(..............)

A bolsa tinha sete filhos! (Eu sempre achei que bolso de bolsa é filho da bolsa) E os sete moravam assim:

Em cima, um grandão de cada lado, os dois com zipe; abri-fechei, abri-fechei, abri-fechei, os dois funcionando bem que só vendo. Logo embaixo tinha mais dois bolsos menores, que fechavam com botão. Num dos lados tinha um outro – tão magro e tão comprido que eu fiquei pensando o que é que eu podia guardar ali dentro ( um guarda-chuva? Um martelo? Um cabide em pé?). no outro lado tinha um bolso pequeno, feito de fazenda franzidinha, que esticou todo quando eu botei a mão dentro dele; botei as duas mãos: esticou ainda mais; era um bolso com mania de sanfona, como eu iria dar coisa pra ele guardar! E por último tinha um bem pequenininho, que eu logo achei que era o bebê da bolsa. .

Comecei a pensar em tudo que eu ia esconder na bolsa amarela.”

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“Cheguei em casa e arrumei tudo que eu queria na bolsa amarela. Peguei os nomes que eu vinha juntando e botei no bolso sanfona. O bolso comprido eu deixei vazio, esperando uma coisa bem magra pra esconder lá dentro. No bolso bebê eu guardei um alfinete de fralda que eu tinha achado na rua, e no bolso de botão escondi uns retratos do quintal da minha casa, uns desenhos que eu tinha feito, e umas coisas que eu andava pensando. Abri um zipe; escondi fundo minha vontade de crescer; fechei. Abri outro zipe; escondi mais fundo minha vontade de escrever; fechei. No outro bolso de botão espremi a vontade de ter nascido garoto ( ela andava muito grande, foi um custo pro botão fechar).

Pronto!” a arrumação tinha ficado legal. Minhas vontades tavam presas na bolsa amarela, ninguém mais ia ver a cara delas.”

 Cap. 3 – O galo – p. 35

 “.........Acabei resolvendo que ia lutar pelas minhas idéias(..........///......) Então eu chamei as minhas quinze galinhas e pedi, por favor, pra elas me ajudarem. Expliquei que vivia muito cansado de ter que mandar e desmandar nelas todas noite e dia. Mas elas falaram: “Você é o nosso dono. Você é que resolve tudo pra gente.” Sabe, Raquel, elas não botavam um ovo, não davam uma ciscadinha, não faziam coisa nenhuma, sem vir me perguntar: ”Eu posso? Você deixa?” e se eu respondia: “Ora, minha filha, o ovo é seu, a vida é sua, resolve como você achar melhor”, elas desatavam a chorar, não queriam mais comer, emagreciam, até morriam. Elas achavam que era melhor ter um dono mandando o dia inteiro: faz isso! Faz aquilo! Bota um ovo! Pega uma minhoca! Do que ter que resolver qualquer coisa. Diziam que pensar dá muito trabalho.”

SUGESTÕES DE ATIVIDADES COM ALUNOS 

1. Comente a diferença de discurso entre meninos e meninas.

2. Qual a significação da bolsa amarela, seus bolsos ( ou filhos) e qual sua serventia?

3. Teria a bolsa amarela alguma significação psicológica?

4. Comentem as vontades de Raquel. Porque ele quer ser homem, adulta e escritora? Em cada uma destas vontades esconde-se algum aspecto psicológico? Seriam estas vontades comuns aos adolescentes, ou pré-adolescentes?

5. O texto do capítulo 3, "O Galo" contém uma ideias de machismo, ou contra o machismo ? Comente o aspecto de crítica social existente.


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