terça-feira, 20 de maio de 2014

AUTORAS PREMIADAS :LYGIA BOJUNGA NUNES, ANA MARIA MACHADO E RUTH ROCHA


TRÊS GRANDES ESCRITORAS NACIONAIS: Ruth Rocha, Lygia Bojunga Nunes e Ana Maria Machado.

 O objetivo desta página é apresentar pequenos textos destas três magníficas autoras nacionais; muito pode-se comentar sobre elas, o que faremos posteriormente.





DUAS FÁBULAS POLÍTICAS DE RUTH ROCHA

 Ruth Rocha tem a incrível capacidade de escrever sobre temas aparentemente complexos, da forma mais simples, sob a forma de parábolas. Duas parábolas sobre a insensatez da guerra e a educação para a paz tomam forma respectivamente nas obras: Dois idiotas sentados, cada qual no seu barril e Enquanto o mundo pega fogo, ambos editados pela Nova Fronteira do Rio de Janeiro, na década de oitenta, mas atualíssimos nos dias de hoje.        


Dois idiotas sentados, cada qual no seu barril alterna prosa e versos. Foi ilustrado por Jaguar e esta ilustração complementa o que o texto não diz: a guerra fria que por décadas sustentaram entre si os Estados Unidos da América e a República Socialista Soviética, ou seja a Rússia. Os chapéus dos dois personagens denunciam sua origem: a cartola de Tio Sam e o boné de lã, típico da Rússia; ambos estão com uma vela acesa, sentados em cima de barris de pólvora furados, vazando seu conteúdo.

 As estrofes de versos são de tamanhos desiguais, seis, oito, dez versos, etc. O início destas estrofes são de versos recorrentes, com pequenas variações, acrescentando mais informações sobre os personagens: inicia-se assim a narrativa:


Dois idiotas sentados:
O Teimosinho e o Mandão;
Muito bem acomodados,
Com suas velas na mão.
Cada qual no seu barril
De pólvora recheado,
Começam, num tom gentil,
Cada qual mais educado...  

Outros versos recorrentes:

“ Dois idiotas sentados,
agora muito espantados,....”

 “Dois idiotas muito tolos,
com suas velas na mão.”

“Dois idiotas sentados
 etcétera e tal...”


 É previsível o final desta estória, não é?

“Mas de repente, que coisa!
Deu grande espirro o Mandão!

O Teimoso leva um susto,
Levanta de supetão!
A vela, que estava acesa,
Dá um pulo de sua mão...
E cai no barril do outro,
Ouve-se grande explosão!”

C A T R A P U M !

.........................................

Lá se vão os idiotas:
Era uma vez um teimoso,
Era uma vez um mandão...”


                                                                       *      *     *     *     *


O livro Enquanto o mundo pega fogo traz desenhos de Walter Ono. Já a capa e o título interno estão envoltos em chamas. A obra compõe-se de três pequenas narrativas: a primeira é a que dá nome ao livro “ Enquanto o mundo pega fogo”, seguida de “O homem e a galinha”  que reconta a fábula da “Galinha dos ovos de ouro” de forma diferente. A terceira narrativa é “Pra vencer certas pessoas” e conta a estória de um vaqueiro matreiro, Pedro,  que se faz passar por frei Damião e responde ao rei, com malícia e sabedoria, perguntas que ninguém respondia.


“Enquanto o mundo pega fogo”, é a primeira narrativa e tem dois personagens, dois compadres, Zé e Mané, muito amigos, sempre juntos, que, ganhando um dinheirinho compram uma terrinha e resolvem separar a parte de terreno de cada um com uma cerca. Aí começam as brigas, seja porque uma galinha botou ovo no terreno do outro, ou uma mangueira estendeu seus galhos no terreno oposto. Resultado: ficam inimigos; um rojão propositadamente acendido por Zé, para acordar Mané, põe fogo na casa deste..

Enquanto discutem inutilmente o fogo vai se alastrando e consome tudo, nos dois terrenos. Quando tudo vira carvão, concordam eles que tem de limpar tudo, juntos!

 Que tal? Gostaram? Espero que leiam estas pequenas obras primas de literatura infantil, onde Ruth Rocha, partindo de coisas concretas consegue levar as crianças a conclusões sobre a inutilidade de querelas, tão infantis, que levam a conseqüências tão sérias!   


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LYGIA BOJUNGA NUNES

Lygia Bojunga Nunes é detentora de dois dos maiores prêmios internacionais em literatura infantil: O "Hans Christian Andersen", equivalente ao "Nobel" em literatura adulta e o "Astrid Lindgren". da Suécia. Uma de suas obras, A Bolsa Amarela, apresenta de maneira simples, descomplicada  críticas à sociedade contemporânea, critérios de valor  a serem revistos. O texto abaixo apresenta a visão de uma criança ao consumismo desenfreado dos adultos.          
                    
Cap. 2. “A bolsa amarela”  páginas. 25 a 29

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Eu fico boba de ver como a tia Brunilda compra roupa. Compra e enjoa. Enjoa tudo: vestido, bolsa, sapato, blusa. Usa três, quatro vezes e pronto: enjoa. Outro dia eu perguntei:
-          Se ela enjoa tão depressa, pra que que ela compra tanto? É pra poder enjoar mais?
Ninguém me deu bola. Fiquei pensando no tio Júlio. Meu pai diz que ele dá um duro danado pra ganhar o dinheirão que ele ganha. Se eu fosse ele, eu ficava pra morrer de ver a tias Brunilda gastar o dinheiro numas coisas que ela enjoa logo. Mas ele não fica. Eu acho isso tão esquisito! Outra coisa um bocado esquisita é que se ele reclama, ela diz logo: “ Vou arranjar um emprego” . Aí ele fala: “De jeito nenhum!” E dá mais dinheiro. Pra ela comprar mais. E pra continuar enjoando. Vou ver se um dia eu entendo essa jogada.(...............) 
-          Toma Raquel, fica pra você.
Era a bolsa.(..............)
A bolsa tinha sete filhos!( Eu sempre achei que bolsa de bolsa é filho da bolsa) E os sete moravam assim:
Em cima, um grandão de cada lado, os dois com zipe; abri-fechei, abri-fechei, abri-fechei, os dois funcionando bem que só vendo. Logo embaixo tinha mais dois bolsos menores, que fechavam com botão. Num dos lados tinha um outro – tão magro e tão comprido que eu fiquei pensando o que é que eu podia guardar ali dentro ( um guarda-chuva? Um martelo? Um cabide em pé?). no outro lado tinha um bolso pequeno, feito de fazenda franzidinha, que esticou todo quando eu botei a mão dentro dele; botei as duas mãos: esticou ainda mais; era um bolso com mania de sanfona, como eu ria dar coisa pra ele guardar! E por último tinha um bem pequenininho, que eu logo achei que era o bebê da bolsa. .
Comecei a pensar em tudo que eu ia esconder na bolsa amarela.”
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“Cheguei em casa e arrumei tudo que eu queria na bolsa amarela. Peguei os nomes que eu vinha juntando e botei no bolso sanfona. O bolso comprido eu deixei vazio, esperando uma coisa bem magra pra esconder lá dentro. No bolso bebê eu guardei um alfinete de fralda que eu tinha achado na rua, e no bolso de botão escondi uns retratos do quintal da minha casa, uns desenhos que eu tinha feito, e umas coisas que eu andava pensando. Abri um zipe; escondi fundo minha vontade de crescer; fechei. Abri outro zipe; escondi mais fundo minha vontade de escrever; fechei. No outro bolso de botão espremi a vontade de Ter nascido garoto ( ela andava muito grande, foi um custo pro botão fechar).
Pronto!” a arrumação tinha ficado legal. Minhas vontades tavam presas na bolsa amarela, ninguém mais ia ver a cara delas.”



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ANA MARIA MACHADO



A obra  Bisa Bia, Bisa Bel, foi merecedora dos maiores prêmios brasileiros e Ana Maria Machado é a Segunda  autora infanto-juvenil brasileira, a receber o prêmiuo “Hans Christian Andersen”, no ano 2000.  Autora de obras como Bento-que-bento-é-o-frade, História meio ao contrário, Raul da Ferrugem Azul, O gato do mato e o cachorro do morro, Era uma vez um tirano, O menino que espiava para dentro, dentro de dezenas de outras obras, onde a temática´de interesse infantil ou pré-adolescente está recheada de elementos sociais, como a distribuição dos papéis atribuídos aos homens e às mulheres, preconceitos, etc.


TEXTOS PARA LEITURA


MACHADO, Ana Maria – Bisa,Bia, Bisa Bel , Rio de Janeiro, Ed. Salamandra, 11ª edição, 1985.

Capítulo IV  “As conversas de antigamente” – páginas de 23 a 26.


“Toda essa história de móveis é muito engraçada. Bisa Bia não conhecia armário embutido, já imaginou? Levou um susto a primeira vez que me viu abrir um, pensou que era uma parede que se mexia, que nem uma passa secreta ou a caverna de Ali Babá. Disse que no tempo dela não tinha nada disso. Também não tinha televisão, nem sofá-cama, nem liquidificador, nem bancada de pia no banheiro, nem almofadão da gente sentar no chão, nem uma porção de coisas assim. Mas também, ela fala de uns outros móveis bem diferentes, de nomes esquisitos. Na sala tinha um tal de bufê ou etagér(............) No quarto, a cama dela tinha mosquiteiro. Eu pensei que era uma criação particular de mosquitos, estava achando uma idéia incrível Ter mosquito ensinado para zumbir a música que a gente quisesse e morder quem a gente não gostasse, mas aí ela explicou que era justamente o contrário ......  (........). Outra coisa que ela contou que tinha no quarto era penteadeira, cheia de vidros de perfume em cima, enfeites de louça ( vê que nome engraçado, chamava de bibelô e ela diz que eram tão bonitinhos que eu até pareço um bibelô). Penteadeira eu logo vi para que servia:

-          Ah, Bisa Bia, isso eu sei, é para olhar no espelho e se pentear, não é?

-          E também para se fazer o toucador...

-          O que? Toucador? Ajeitar a touca na cabeça?

Ela riu e explicou que não. Era se arrumar, se pintar, se enfeitar, ficar bonitinha, como a minha mãe se ajeita no espelho do banheiro. Aí Bisa Bia explicou que no tempo dela banheiro era muito diferente. A gente lavava o rosto no quarto mesmo, e sempre tinha uma mesinha ou um móvel com uma bacia e um jarro d’água, com uma toalha limpinha do lado.

-          E pra fazer xixi?

-          Tinha uma casinha lá fora...

-          E se a gente acordasse de noite com vontade?

-          Tinha um urinol... – ela explicava, sempre com paciência.

-          O que?

-          Um urinol, penico. Ficava embaixo da cama, ou guardado numa portinha especial do criado-mudo.

-          Criado-mudo? Você não disse outro dia que criada era empregada? Puxa, vocês gostavam mesmo de explorar os outros, hem, tratar todo mundo feito escravo... pra que é que precisava de um coitado de um mudo pra guarda penico?

-          Não, Isabel. Criado-mudo era uma espécie de mesinha do lado da cama, um armário pequeno...

-          Ah, mesinha de cabeceira... (........)

(............) No Domingo em que eu disse que ia comer um cachorro-quente e tomar uma vaca-preta, foi um deus-nos-acuda. Foi mesmo:

-          Deus nos acuda, minha filha! Isso lá é coisa que se coma? Coitadinho do cachorro...

O trabalho que deu para explicar, você nem sabe. Para começar, quando eu disse que era um lanche, levamos um tempão até entender que era o que ela chamava de merenda... Sanduíche era outra coisa que ela nem sabia o que era, mas deu para explicar que era salsicha com pão. Mas, vaca-preta? Coca-cola batida com sorvete? Quem disse que ela sabia o que era coca-cola? Ou qualquer refrigerante? Nada disso tinha no tempo dela. E depois, quando ela começou a me dizer o que costumava Ter na merenda ou na sobremesa da casa dela, foi a minha vez de arregalar os olhos e ficar horrorizada, enquanto ela suspirava de saudade:

-          Baba de moça, Isabel, uma delícia!

-          Ai, que nojo, Bisa, como é que você tinha coragem?   

Ela continuava:

-          Papo de anjo, também uma gostosura...

-          Uma maldade, isto sim. Logo de anjinho... Ainda se fosse de galinha...

Mas aí ela falou em pé-de-moleque e olho-de-sogra e suspiro, e eu fui descobrindo que tudo era nome de doce, já pensou? Ela achando que eu comia ensopadinho de cachorro e eu achando que ela lambia cuspe de gente, a tal baba de moça. A gente fala a mesma língua, mas tem horas que nem parece, porque tem umas coisas que mudaram muito, fica até difícil entender...”

                                                      
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