quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Insistindo mais uma vez em minhas duas autoras queridas: Ruth Rocha e Ana Maria Machado.

Alguém já leu Procurando firme de Ruth Rocha, e Raul da Ferrugem Azul de Ana Maria Machado? 

Quer deixar suas impressões sobre estas obras, ou uma delas? 
Em breve vou postar considerações sobre estes livrinhos magistrais, dentro da minha perspectiva que, leitura tem de dar prazer, senão não serve, e se der prazer e ensinar a refletir, questionar valores , não é melhor ainda? 

Até breve. 


terça-feira, 12 de maio de 2015

Ética greco-romana

Um desafio: só trabalhar? Onde fica o brincar?


Transcrevo duas opiniões que foram fundamentais para minha formação e apreciação de criações literárias para crianças

Eu gostaria muito que leitores deste blog fizessem comentários com o objetivo de esclarecermos ou discutirmos estes aspectos: falta ousadia nas nossas escolas?  Qual deve ser a atitude do educador?                             

   “Vamos precisar da totalidade de nossos recursos naturais mais vitais como a criatividade humana, paciência, coragem, imaginação e empatia”  ( Cheryl Charles, Ph.D. - Educadora)



                                   “A ética greco-romana e judaico-cristã são imbuídas pelo dogma de que trabalhar é algo necessário, sério e difícil; por outro lado, brincar é inútil, fútil e fácil. Brincar é considerado um “divertimento”e aprender é visto como “trabalho”. Acompanhando esta “verdade” aparece a noção de que o lugar das crianças brincarem é em casa e a escola é local de trabalho. Brincar como ideia relacionada à aprendizagem é algo malvisto. Os pais não são reconhecidos pelas coisas notáveis que são aprendidas sob sua orientação. Os professores são levados a abandonar o respeito de seus instintos pelo lado alegre da aprendizagem. Assim a brincadeira, que deveria ser encarada como um potente recurso para a aprendizagem genuína, é negligenciada.(.....) / É quase como se a escola devesse reexaminar a si mesma com a finalidade de desenvolver aquelas condições de ousadia vividas pela criança que aprende a andar e falar.”  ( SAMPLE, Bob - Mente Aberta, Mente Integral. Gaia, São Paulo, 1990.

terça-feira, 10 de março de 2015

COMECEI A PENSAR DIFERENTE A Bolsa Amarela de Lygia Bojunga Nunes)

Duas obras que, segundo meus critérios, são verdadeiras maravilhas da Literatura Infantil: A BOLSA AMARELA de Lygia Bojunga Nunes e BISA BIA,BISA BEL de Ana Maria Machado

A Bolsa Amarela, de Lygia Bojunga Nunes,  aborda problemas pré-adolescentes  comparando pessoas reais e situações verídicas. Uma criança sozinha em um apartamento certamente criará amigos imaginários, histórias com bichos. Mas guardar tudo isto em uma enorme bolsa amarela, como se fosse um refúgio contra a indiscrição dos adultos, é bem original, não acha?
 E que tal as histórias dos galos, Rei e Terrível, contrapondo uma visão anti-machista com uma relação de dependência, medo. E que maravilha de família, tão pra frente na Casa dos Consertos. Questionamentos sobre renovação em uma sociedade estratificada. Tudo isto neste pequeno texto:


Cap. 9 – Comecei a pensar diferente - A Casa dos Consertos – Páginas de 98 a 100.

 “Mas eu fiquei parada, querendo entender melhor a gente daquela casa. Apontei o homem:
-          Ele é teu pai?
-          É. – E aí ela apresentou os três: - Meu pai, minha mãe e meu avô.
Eles me deram um sorriso legal, e eu cochichei pra menina:
-          Por que é que ele tá cozinhando?
Ela me olhou espantada:
-          O quê?
Perguntei ainda mais baixo:
-          Por que é que tá cozinhando e tua mãe soldando panela?
-          Porque ela hoje já cozinhou bastante e ele já consertou uma porção de coisas; e eu também já estudei um bocado e meu avô soldou muita panela: tava na hora de trocar tudo.
-          Por que?
-          Pra ninguém achar que tá fazendo uma coisa demais. E pra ninguém achar também que está fazendo uma coisa menos legal do que o outro.
-          Teu avô está  estudando?
-          Tá.
-          Velho daquele jeito? (Era muito chato conversar com ela: só eu que cochichava; ela falava normal, todo o mundo ouvia.)
-          Ele só é velho por fora. O pensamento dele tá sempre novo.
-          Por que?
-          Porque ele tá sempre estudando. Que nem meu pai e minha mãe.
-          Eles também estudam?
-          Aqui em casa a gente não vai parar de estudar.
-          Toda a vida?
-          Tem sempre coisa nova pra aprender.
-          E quem é que resolve o que cada um estuda?
-          Como é?
-          Quem é que resolve as coisas? Quem é o chefe?
-          Chefe?
-          É, o chefe da casa. Quem é? Teu pai ou teu avô?
-          Mas pra que que precisa chefe?  (.................)
-          Não tem sempre uma porção de coisas pra resolver? Quem é que resolve?
-          Nós quatro. Pra isso todo dia tem hora de resolver coisa. Que nem ainda há pouco teve hora de brincar.(..............) Cada um dá uma idéia. E fica resolvido o que a maioria acha melhor.
-          Você também pode achar?
-          Claro! Eu também moro aqui, eu também estudo, eu também cozinho, eu também conserto. Aqui todo o mundo acha igual.
-          Mas pode ?

-          Por que é que não pode?” ......................” 

HUMOR NA LITERATURA INFANTIL: Significantes e significações: Bisa Bia, Bisa Bel, de Ana Maria Machado.

O HUMOR NA LITERATURA INFANTIL

Ana Maria Machado é, sem dúvida das melhores autoras de Literatura infantil, e especialmente para pré-adolescentes. Com humor, com leveza, ensina; neste texto a exploração linguística evidencia os aspectos evolutivos da língua em seus significantes e significados   

LEIA O TEXTO SEGUINTE :

“ Toda essa história de móveis é muito engraçada. Bisa Bia não conhecia armário embutido, já imaginou? Levou um susto a primeira vez que me viu abrir um, pensou que era uma parede que se mexia, que nem uma passa secreta ou a caverna de Ali Babá. Disse que no tempo dela não tinha nada disso. Também não tinha televisão, nem sofá-cama, nem liquidificador, nem bancada de pia no banheiro, nem almofadão da gente sentar no chão, nem uma porção de coisas assim. Mas também, ela fala de uns outros móveis bem diferentes, de nomes esquisitos. Na sala tinha um tal de bufê ou etagér(............) No quarto, a cama dela tinha mosquiteiro. Eu pensei que era uma criação particular de mosquitos, estava achando uma idéia incrível Ter mosquito ensinado para zumbir a música que a gente quisesse e morder quem a gente não gostasse, mas aí ela explicou que era justamente o contrário ......  (........). Outra coisa que ela contou que tinha no quarto era penteadeira, cheia de vidros de perfume em cima, enfeites de louça ( vê que nome engraçado, chamava de bibelô e ela diz que eram tão bonitinhos que eu até pareço um bibelô). Penteadeira eu logo vi para que servia:
-          Ah, Bisa Bia, isso eu sei, é para olhar no espelho e se pentear, não é?
-          E também para se fazer o toucador...
-          O que? Toucador? Ajeitar a touca na cabeça?
Ela riu e explicou que não. Era se arrumar, se pintar, se enfeitar, ficar bonitinha, como a minha mãe se ajeita no espelho do banheiro. Aí Bisa Bia explicou que no tempo dela banheiro era muito diferente. A gente lavava o rosto no quarto mesmo, e sempre tinha uma mesinha ou um móvel com uma bacia e um jarro d’água, com uma toalha limpinha do lado.
-          E pra fazer xixi?
-          Tinha uma casinha lá fora...
-          E se a gente acordasse de noite com vontade?
-          Tinha um urinol... – ela explicava, sempre com paciência.
-          O que?
-          Um urinol, penico. Ficava embaixo da cama, ou guardado numa portinha especial do criado-mudo.
-          Criado-mudo? Você não disse outro dia que criada era empregada? Puxa, vocês gostavam mesmo de explorar os outros, hem, tratar todo mundo feito escravo... pra que é que precisava de um coitado de um mudo pra guarda penico?
-          Não, Isabel. Criado-mudo era uma espécie de mesinha do lado da cama, um armário pequeno...
-          Ah, mesinha de cabeceira... (........)
              ............No Domingo em que eu disse que ia comer um cachorro-quente e tomar uma vaca-preta, foi um deus-nos-acuda. Foi mesmo:
-          Deus nos acuda, minha filha! Isso lá é coisa que se coma? Coitadinho do cachorro...
O trabalho que deu para explicar, você nem sabe. Para começar, quando eu disse que era um lanche, levamos um tempão até entender que era o que ela chamava de merenda... Sanduíche era outra coisa que ela nem sabia o que era, mas deu para explicar que era salsicha com pão. Mas, vaca-preta? Coca-cola batida com sorvete? Quem disse que ela sabia o que era coca-cola? Ou qualquer refrigerante? Nada disso tinha no tempo dela. E depois, quando ela começou a me dizer o que costumava Ter na merenda ou na sobremesa da casa dela, foi a minha vez de arregalar os olhos e ficar horrorizada, enquanto ela suspirava de saudade:
-          Baba de moça, Isabel, uma delícia!
-          Ai, que nojo, Bisa, como é que você tinha coragem?   
Ela continuava:
-          Papo de anjo, também uma gostosura...
-          Uma maldade, isto sim. Logo de anjinho... Ainda se fosse de galinha...
Mas aí ela falou em pé-de-moleque e olho-de-sogra e suspiro, e eu fui descobrindo que tudo era nome de doce, já pensou? Ela achando que eu comia ensopadinho de cachorro e eu achando que ela lambia cuspe de gente, a tal baba de moça. A gente fala a mesma língua, mas tem horas que nem parece, porque tem umas coisas que mudaram muito, fica até difícil entender...
(MACHADO, Ana aria – Bisa,Bia, Bisa Bel , Rio de Janeiro, Ed. Salamandra, 11ª edição, 1985, p. 23 a 26)

Que tal? Gostou ? a autora soube fazer um texto humorístico,  em linguagem coloquial, bem ao alcance das crianças, e que leva também a diversas outras cogitações.


A obra acima citada, Bisa Bia, Bisa Bel, foi merecedora dos maiores prêmios brasileiros e Ana Maria Machado é autora infanto-juvenil brasileira, de obras como Bento-que-bento-é-o-frade, História meio ao contrário, Raul da Ferrugem Azul, O gato do mato e o cachorro do morro, Era uma vez um tirano, O menino que espiava para dentro, dentro de dezenas de outras obras, tendo recebido inclusive prêmios internacionais por sua obra.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015



MACAQUINHO PETELECO
ONDE ESTÁ O RECO-RECO?

                                                        Martha Lívia Volpe Orlov    

Nesta noite enluarada,

Acontece um julgamento,

No profundo da floresta!
A macacada suspendeu
Sua festa de arromba.
Só porque o Teco-Teco
Não achou seu reco-reco,
Que emprestou ao amigo,
Macaquinho Peteleco.
  
Macaquinho peteleco,
                   Onde está o reco-reco?
 Peteleco está confuso
E não acha o reco-reco!

Macaco pra cá!
Macaco pra lá!
 No oco da floresta!
A noite era de samba,
E acabou em julgamento;
Pois não é que o Teco-Teco
Acusou o Peteleco
De roubar seu reco-reco?

Cada macaco no seu galho,
Começou o julgamento!

Gritos                        Vaias            Assobios

        

Rabadas                     Chiados                Cusparadas             


                            Piparotes                               Cambalhotas


E a macacada se enreda
Numa grande confusão,
Num enorme barulhão!

 Teco-Teco se entristece.
Emprestou o reco-reco
Pr’aquela noite de samba,
Onde até a madrugada,
Reinaria a alegria,
Dançaria e cantaria,
A macacada animada!

Que confusão agora!
Só porque o Peteleco
Não sabe do reco-reco
Do amigo Teco-Teco.

Peteleco está confuso,
Pois sumiu o reco-reco,
Acha mesmo que é feitiço,
Tem medo de assombração!


Ninguém se conforma!
Mais parece embromação,
Inda mais que a noite é linda,
E a Lua redondinha
Arrepia a floresta inteira,
Credo, não acho isto bom!

Lua tão iluminada,
Dava até prá ver o dragão,
São Jorge com a espada na mão!


Peteleco não se explica,
Não sabe o que aconteceu:
Só se lembra de uma zonzeira
Quando a Lua apareceu.
E quando voltou do susto,
O reco-reco? Desapareceu.


O julgamento continua:
A macacada assanhada,
Toma partido, interfere,
Aposta, dá sentença
Pro infeliz Peteleco
Que perdeu o reco-reco,
Do amigo Teco-Teco!

O julgamento não acaba,
Tá na maior confusão,
Já vai alta a madrugada.
Só então a macacada
Percebe que é noite alta
E a Lua redonda e brilhante
Passeia orgulhosa no céu.


De repente tudo pára,
Emudece a floresta inteira.
O que está acontecendo?
Que magia, qual encanto,
Aquietou toda a mata?
Não é que a danada da Lua
Tem um brilho diferente?
Com seu natural encanto
Parece que zomba da gente?
Parece que põe malícia
No seu brilho prateado.


Só então é que pasmada
Verifica a macacada
Dentro do branco da Lua
Um São Jorge diferente:
Na mão direita do santo,
Carrega ao invés da lança
O sumido reco-reco!

  
Alívio pra macacada:
Não há mais o que julgar,
Pois se São Jorge pegou
O reco-reco emprestado
Deve ter suas razões.
De certo tá muito cansado
De espetar a velha lança
Nas costas do velho dragão.
Os dois devem andar enjoados
Da briga que não tem fim.


Quem sabe agora a Lua
Vai trocar a briga por samba.
Folga toda a macacada.
Peteleco é absolvido
De qualquer acusação!


A macacada se abraça
Na maior empolgação.
E o amigo Peteleco
Vai fazer pro Teco-Teco,
Outro lindo reco-reco.




domingo, 8 de fevereiro de 2015

Poesia: O RON RON DO GATINHO Ferreira Gullar.

.O ron-ron do gatinho       Ferreira Gullar

O gato é uma maquininha
Que a natureza inventou;
Tem pelo, bigode, unhas
E dentro tem um motor.

Mas um motor diferente
Desses que tem nos bonecos
Porque o motor do gato
Não é um motor elétrico.

É um motor afetivo
Que bate em seu coração
Por isso faz ron-ron
Para mostrar gratidão.

No passado se dizia
Que esse ronron tão doce
Era causa de alergia
Pra quem sofria de tosse.

Tudo bobagem, despeito,
Calúnias contra o bichinho
Esse ronron em seu peito
Não é doença – é carinho.





    


PATINHO QUERERÉ E O GATO PITOMBO Martha Lívia Volpe orlov

PATINHO QUERERÉ E O GATO PITOMBO

Martha Lívia Volpe Orlov
                                                           Esta estória é dedicada ao meu netinho Luca.
                                                           Luca, o mundo está melhor porque você nasceu!


Patinho Quereré nasceu, isto é, saiu do ovo, perto da lagoa.

O ninho era macio, quentinho. Patinho saiu e foi ficando por lá, olhando ao redor. Outros patinhos foram saindo dos ovos. Ao todo sete.

Mamãe pata ficou lá, recepcionando seus filhinhos recém-nascidos.

Quando todos saíram ela falou: este é o nosso mundo, olhem tudo por aí e vão aprendendo; sejam bem-vindos à fazenda, onde moramos.

Os patinhos foram aos poucos dando os primeiros passinhos fora do ninho e olhando tudo ao redor. Quereré olhava seus irmãos e ia crescendo; mas seus irmãos olhavam de modo estranho para ele; ele não sabia por quê.

Um dia mamãe pata achou que já era hora de aprender a nadar na lagoa. E lá foram eles em fila, atrás da mamãe.

Quando chegaram, um por um chegava até a beirada da água e mamãe batia as asas na água para que se molhassem e perdessem o medo.

Eles se olhavam no espelho d´água e admiravam sua própria figura. Chegou a vez de Quererá e ele levou um susto: ele não era branco como seus irmãos; era pretinho, bem pretinho, inteirinho preto.

Além do susto, a questão: porque só ele era preto, se seus irmãos eram brancos? Foi ficando isolado dos irmãos, perguntou à mamãe e ela disse que ele era apenas diferente.
Mas Quereré não conseguia ficar junto de seus irmãos, sentindo-se diferente. Ficava sempre de lado, olhando tudo e um pouco triste.

 Não brincava na água, espalhando pingos de todo lado como os outros patinhos e outros patos da fazendo. Não nadava alegre como seus irmãos.

E assim foi ficando calado e triste.

Do outro lado da fazenda havia uma ninhada de gatinhos que também iam crescendo.

Todos brincavam muito, rolavam pelo chão, subiam nos arbustos, eram muito alegres, menos um deles, o Pitombo.

Pitombo não brincava como os outros. Ele era branco e gordinho demais; seus irmãos eram mais magros e pretinhos; também olhavam para ele de modo estranho. E assim foi ficando de lado, calado e triste.

Não é que um dia se encontraram Quereré e Pitombo?

Olharam-se e sentiram que tinham alguma coisa em comum: eram calados e tristes e não brincavam com seus irmãos. Mas se deram bem e começaram a brincar: imaginem só: um patinho preto e um gatinho branco gorducho.

Aos poucos as coisas foram mudando: ao brincarem juntos deixaram de lado a mudez e a tristeza. Seus irmãos começaram a olhar para eles com simpatia. Alegres começaram a se enturmar uns com os outros, e a vida seguiu normalmente. 

Um final feliz porque as diferenças se harmonizaram: patinho preto e gatinho branco gorducho; patinho preto com patinhos brancos; gatinho gordo com gatinhos magros.

Diferentes e diferenças! E o mundo inteiro não é assim?

                                                           *   *   *   *

Proposta aos professores: trabalhar o respeito aos diferentes, de acordo com os parâmetros curriculares sugeridos pelo MEC.